Tinha 15 anos e uma sede insaciável não sabia do que. Queria entrar no mundo dos “adultos”, que ela imaginava ser o objetivo final de toda a existência: esse misterioso mundo das coisas que adultos fazem. Beijar na boca, o primeiro ritual de passagem, ela acreditava. Precisava desesperadamente beijar alguém na boca.
Segunda-feira, ela acordou cedinho e tomou café-da-manhã, ainda meio sonolenta. Colocou o uniforme e foi para a aula, sentindo o agradável vento gelado da manhã que mal começara. O vento a despertou. Entrou na sala de aula e logo foi puxando conversa com a melhor amiga, que sentava bem atrás dela, lembrando do fim de semana e atormentando a amiga que ainda estava saindo do mundo dos sonhos da noite anterior. Como a Juju gostava de dormir, meu deus, que saco isso! Ela acordava todas as manhãs pronta para engolir o dia, enquanto a Juju só queria fugir do mundo embaixo de seus cobertores. Perguntou do Nick... Será que a Juju tinha visto ele na hora que chegara? Ela não tinha. Esperava o fim de semana inteiro para ter o gostinho de chegar à escola segunda e ver o Nick chegando, com seu bermudão largo de menino mal, boné, cabelo loiro e ar de desdém. Achava linda a carinha de tédio dele. Parecia que ele sabia o segredo da vida e agora que tinha descoberto, achava tudo uma grande chatice. Só fazia as coisas por que já estava por aqui mesmo. Ela se sentia uma boba, apesar de ninguém suspeitar disso, pois fazia questão de se por, no alto de seus 15 aninhos, como uma pessoa vivida e sábia, que até dava aulas particulares para ganhar seu próprio dinheiro do fim de semana.
Um dia, cansada de nada acontecer, ela teve um estalo: deixar um recadinho na lousa da sala dele, confessando o que sentia, mas sob um pseudônimo. Nada mais emocionante! Daí não ia mais precisar contar com a sorte de vê-lo de manhã para ter um dia mais interessante, era só continuar escrevendo e ela teria diversas pequenas emoções espalhadas pela semana! Esperou dar o sinal da saída e foi até lá: “Nick, se você soubesse que quando te vejo meu mundo todo paralisa... o que você faria? Ass.: Misteriosa (da oitava A)”.
Pronto, havia jogado os dados! Agora era só esperar. Enquanto esperava, pensava nas mil possibilidades de resposta que ele daria, se ele a olharia de um jeito diferente amanhã, será que ele descobriria? Será que ele ia gostar de saber que tinha sido ela a escrever o recadinho? Ai deus!! Que ansiedade!!
Chegou à escola terça e foi logo conversar com a Juju (que com seu habitual mau-humor das manhãs, preferiu deitar na carteira e tirar uma soneca). Olhou a lousa diversas vezes, mas já esperava que ele não fosse responder, assim, tão rápido. Ela sabia que os meninos tinham mais dificuldade de expressar sentimentos. A terça-feira passou, a quarta também, depois a quinta e a sexta. Ela estava explodindo de ansiedade. Poxa vida, ele podia pelo menos ter tido a curiosidade de dar uma espiadela pela porta da sala de aula, para ver se descobria quem era. Nada. Mas ela sabia que ele era assim mesmo, que, com sua carinha de desdém, no fundo ele estava morrendo de curiosidade. Não era possível não estar. Ela estaria, e como!
Segunda-feira de novo. Aula de educação física, sua favorita. Não que adorasse praticar esportes, mas era na aula de educação física que todas as oitavas séries se encontravam: o Nick estaria lá, lindo, jogando vôlei com os amigos. Como ele jogava bem! Como ele era forte! Era bonito de ver quando fazia ponto e ameaçava um sorriso de canto. Ficava ainda mais lindo. Ela não sabia jogar vôlei.
O jogo acabou e ela estava sentada na escada perto do bebedouro com a Juju, que já tinha despertado e estava contando sobre uma briga com o pai. Ela não estava nem um pouco interessada na briga da Juju com o pai, mas queria que ela ficasse ali, ao lado, por que ficar sozinha sentada não é legal. Os meninos vinham todos beber água depois do jogo, não era à toa que ela tinha sentado ali. De repente ela viu: o Nick estava vindo, indescritivelmente magnético para ela, com a camiseta pendurada no ombro, suado, o bermudão meio frouxo e o olhar de desdém. Ela estava tão presa na figura dele que nem notou que aquela menina chata (e muito bonitinha) da oitava B estava tomando água bem na hora que ele chegou. A bonitinha se demorou um pouco e ela sabia, tinha certeza, que era de propósito. Que menina mais saidinha! O Nick terminou de beber água. A saidinha ainda estava ali ao lado, fingindo que nem via ele (mas ela sabia que era só fingimento). Com a boca ainda molhada com a água que bebera com tanto gosto, como se tivesse a maior sede do mundo, ele levanta e dá um beijo violento na bochecha da bonita da oitava B. Sua boca agora parecia molhada de saciedade. A chatinha ri e finge que nem ligou muito. Ele sabe que ela ligou. Ele gosta do fingimento dela. Os dois saem das quadras juntos, entre risadinhas e brincadeiras. Ela nunca tinha o visto sorrir daquele jeito.
Chegou em casa e não quis comer. Foi pro quarto e ligou o rádio. Estava tocando aquela música linda, que ela queria tanto ouvir quando estivesse com o Nick. Deu uma choradinha. Ligou pra Juju, coitada da Juju, estava passando por um momento muito mais difícil que o dela, o pai era muito bravo. A Juju contou a briga inteira. Depois ela confessou para a Juju que tinha sim ficado triste com a cena que presenciara na aula de educação física, apesar de ter negado antes. A semana se passou sem grandes surpresas.
Segunda-feira: ela sentia o frescor da manhã em seu rosto e gostava de ver o sol, ainda vermelho, que surgia por detrás da serra. Entrou na sala e levou um susto. No seu lugar estava um menino que ela nunca tinha visto mais gordo. Pediu licença, o menino saiu, sem dizer palavra. Bonitinho ele... Será que era aluno novo? A professora chegou e fez a chamada, acrescentando o nome do aluno recém-transferido da capital. Legal, além de bonitinho devia ser inteligente e saber muito mais da vida do que ela, afinal, tinha morado na capital e tudo. Começou a fofocar com a Juju (que naquele dia, excepcionalmente, não estava de mau-humor) sobre o forasteiro misterioso. No final de algumas semanas, ela havia dado seu primeiro beijo, no forasteiro misterioso, que já nem era mais tão misterioso assim.